domingo, 14 de março de 2010

Ceia Literária e UBT presentes nos 88 anos de Fernando Câncio

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UM TIPO INESQUECÍVEL
Homenagem ao escritor Fernando Câncio
(por Carlos Roberto Vazconcelos)

Em nossas vidinhas tão efêmeras, conhecemos muitas pessoas. De todas as marcas, feitios e naturezas.

Lembro que as velhas e boas revistas Seleções traziam uma interessante coluna intitulada Meu Tipo Inesquecível. Eram testemunhos de vida, retratos de homens e mulheres que não passaram despercebidos por este mundo.

Luciano Jucá, da Ceia Literária e Fernando Câncio. 14/03/2010.

Eu também conheci um tipo inesquecível. Estava iniciando o curso de Letras, quando tomei conhecimento da existência de um grupo de escritores chamado Ceia Literária. Era tudo o que eu queria. Muito jovem, e vindo do interior, andava à procura do meu nicho, de um reduto de pessoas com quem pudesse compartilhar minhas afinidades literárias. O convite chegou em sala de aula, através do professor Valdemir Mourão, fundador do grupo, à época titular da cadeira de Lingüística na UECE.

Fernando Câncio (fundo da imagem) Gutemberg Liberato, presidente da UBT e Carlos Roberto Vazconcelos, da Ceia Literária. Fortaleza -14/03/2010.

Passei a frequentar as reuniões da Ceia Literária com assiduidade. Identifiquei-me de pronto com todos os membros do grupo, pessoas inteligentes, sensíveis e solidárias.

Um dos membros da Ceia Literária, em especial, muito me chamou a atenção, pela originalidade, espirituosidade e carisma: Fernando Câncio de Araújo, o velho mais jovial que conheci. Ainda hoje, do auge dos seus oitenta e sete anos, se o assunto é idade, responde sem hesitação:
O que importam meus cabelos brancos,
se minha alma ainda faz pipi na cama?

Imediatamente lembro outro poeta querido, Mário Quintana:
Embora idade e senso eu aparente,
Não vos iluda o velho que aqui vai:
Eu quero meus brinquedos novamente!
Sou um pobre menino... acreditai...
Que envelheceu um dia, de repente!

Marina Fernandes, da Ceia Literária (organizadora do evento. Fortaleza, 14/03/2010

Antonio Carlos Villaça, no seu livro Os Saltimbancos da Porciúncula, assim descreve Quintana: Um velhote buliçoso, que não tinha pose, nenhuma afetação. Era todo leveza, espontaneidade, fluidez. Fernando Câncio também é assim.

Certa vez, saíamos de uma reunião da Ceia Literária, num edifício da rua Liberato Barroso. O elevador, lotado, o Fernando, gordo. Todos esquivos para não pisar um pé alheio e empenhados em manter a devida distância do patrimônio do outro. O poeta observou que alguém entrara por último, quase espremido pela porta. Lá embaixo, quando a bendita porta se abriu e acabou-se o sufoco, Fernando não se conteve e desferiu para riso geral:
O elevador é um dos poucos lugares onde se faz valer aquela lei de Deus: “Os últimos serão os primeiros.”

CEIA LITERÁRIA. 14/03/2010. Luciano Jucá e o prof. Felipe Filho não aparecem nesta foto. Chegaram depois...

Fernando cursou as “primeiras e únicas letras” (como faz questão de esclarecer), no Grupo Escolar da Fênix Caixeral. Na verdade, cursou até o 4° ano primário, mas considera-se autodidata. Aprendeu a ler e nunca mais quis se separar dos livros. Leu os grandes clássicos cearenses, brasileiros e estrangeiros. Escreveu inúmeros livros, alguns com títulos intencionalmente esdrúxulos e quilométricos (que nada têm a ver com o conteúdo), apenas para roubar a atenção do leitor: Os Sapos do Castelo de Montserrat ou As Aventuras de um Lagostim Daltônico. Foi durante muito tempo o gerente do Cine Art. Sucedeu-se por dezoito anos no cargo de presidente da UBT (União Brasileira de Trovadores) e se dependesse dos sócios permaneceria por mais dezoito. Marcou história no comando dessa agremiação. De todos os gêneros, o que mais lhe dá satisfação é a Trova, sendo ele um dos melhores destas terras, na arte dos quatro versos. Querem ver?

Saudades, marcas doridas
de um momento que passou
bandeirinhas coloridas
que o tempo nunca rasgou
ou
Era um poeta de mão cheia,
Hippie, cabelos revoltos...
Só poetava na cadeia,
Detestava versos soltos

Marina Fernandes e Fernando Câncio. 14/03/2010.

Fernando Câncio é também um exímio recitador. Uma vez no palco, contagia a platéia com o carisma e a desenvoltura de um mestre. Certo dia, comprovando a tese de que a criatura pode tornar-se independente do criador, criou Hortência, a amiguinha de infância transformada na mulher sonhada... Boquinha de forno...! Forno! Jacarandá! E Hortência virava lágrimas... de uma saudade perdida? de uma lembrança imaginada? É que o universo paralelo do artista é muito mais vasto do que a própria realidade.

Confessou-me um dia que nunca mais recitaria Hortência. A personagem havia crescido dentro dele, estava se exteriorizando, tomando conta de seu coração, fazendo-o chorar em público. Hortência passou a existir, definitivamente. Não mais nas páginas amareladas do livro, mas na lucidez de sua memória, como ser concreto, parte de seu passado, mulher de carne e osso.

Airton Soares da Ceia Literária e Fernando Câncio (Fortaleza, 14/03/2010)

Fernando Câncio é uma dessas raras pessoas a quem temos orgulho de conhecer. Sua grandeza está na simplicidade. Por isso, para falar sobre ele temos que usar palavras simples, despojadas de vaidade, mas carregadas de valor.

Algumas vezes fui visitá-lo, na rua Floriano Peixoto. Usufruí momentos de gratificante conversa. Dona Zilnah, sua falecida esposa, nos recebia sempre muito solícita. Uma tarde, saí rumo àquela rua. Não para visitar o Fernando, que o horário não era propício, mas apenas para levar-lhe umas guloseimas. A casa estava silenciosa e tristonha. Bati.

Ednardo Gadelha, da Ceia Literária e Fernando Câncio. 14/03/2010.

A secretária veio atender pelo muro do jardim. Contou-me que dona Zilnah já não estava mais entre nós. Senti o golpe. Desagradável surpresa. Eu estava a caminho de uma livraria, localizado na Aldeota. Dentro do carro, larguei-me a refletir sobre o mistério doloroso da morte e os sentimentos a que ela nos remete. Garimpando os livros, saltou-me aos olhos o Meu Nome é Saudade, de Fernando Câncio, que é dedicado justamente à Dona Zilnah. Quanta coincidência! Não poderia deixar de adquiri-lo, em sua 1ª edição, de 1979, com autógrafo do autor. Este mesmo que está repousando aqui ao meu lado.

Carlos Vazconcelos, da Ceia Literária e Fernando Câncio. 14/03/2010.

Para quem não sabe, Fernando Câncio também é pintor. Na parede do meu apartamento, tenho um óleo sobre tela, que ele fez especialmente para a capa da coletânea Ceia Maior, em comemoração aos dezoito anos do grupo Ceia Literária.

Fernando Câncio, você mora na minha estante, na minha parede e principalmente na minha memória. E não paga aluguel.

sábado, 13 de março de 2010

Noite de tédio... comprida... MÁRIO PEIXOTO

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Noite de tédio... comprida...

tão sem graça e tão vazia,

que eu bebo qualquer bebida

e aceito qualquer maria...

MÁRIO PEIXOTO

Fonte: O Pau D'Arco - ano XXVII - nº 150 - Março - Abril - 2010 - Diretor: Fernando Câncio.


  • E fulano, como esta? Ê..ê quem te viu quem te vê... ele está vomitando o tédio do sucesso... AS

  • "O segredo para não ter tédio, pelo menos para mim, é ter ideias"
Delacroix, Eugène

  • "O remédio para o tédio é a curiosidade...e não existe remédio para a curiosidade!" Li por Aí (visite)

  • "O homem é um pêndulo que oscila entre o tédio e desespero"
Schopenhauer

DESEJO- TÉDIO - notas de leitura do "AS"

Nietzsche biografia de uma tragédia - Rüdiger Safransky, P. 16 / O ser humano, explica Nietzsche, é uma criatura que saltou sobre os limites animalescos da época do cio e por isso não procura prazer apenas eventualmente, mas o tempo todo. Porém, como há menos fontes de prazer do que pede sua constante predisposição ao prazer, a natureza o forçou a enveredar na trilha da invenção-do-prazer: o animal consciente homem, com horizonte de passado e futuro, raramente se satisfaz de todo com o seu presente, e por isso sente algo que certamente nenhum animal conhece, isto é, o tédio. Fugindo do tédio, essa singular criatura procura uma excitação que, se não for encontrada, tem de ser inventada. O homem se torna animal que brinca. O jogo é uma invenção que entretém os afetos. O jogo é a arte de auto-excitação dos afetos, a música por exemplo. A fórmula antropológica-fisiológica para o segredo da arte é pois: A FUGA DO TÉDIO É A MÃE DAS ARTES(8,432) (...) Nessa perspectiva a arte é um tensionar o arco para não criar uma distensão niilista. A arte ajuda a viver porque senão a vida não sabe o que fazer quando assaltada por sentimentos de ausência de sentido.

Fonte: Biografia de uma tragédia, Nietzsche, p. 16


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